aula do ginjeira

    — O senhor compre meia-folha de papel selado e anule a matrícula, homem! Nem eu chateio o senhor nem o senhor me chateia a mim.
    A malta, cá atrás, nas carteiras, continha o riso a custo. Só o Pereira tinha pouca vontade de rir. O quadro já quase cheio de letras e números, de traços e setas, de sinais de mais e de menos, uma confusão pegada.
    Nove no primeiro período, nove no segundo. Faltava-lhe onze para ir a exame. Se não fosse a matemática ainda poderia cortar. Mas a matemática ainda era maior dor de cabeça. E não podia cortar a duas.
    O exercício não correra bem: oito.
    Se fosse ao menos um dez, ainda podia ser que, bem esticado, rendesse o onze no fim do período. Mas oito!
    Tinha-se preparado bem para a chamada: duas noites quase sem dormir. Parecia-lhe que iria correr bem. Mas no quadro era diferente, os números e letras tão grandes, e facilmente se perdiam de vista. E ainda mais, tantos olhos postos nele e o Ginjeira a enervá-lo.
    O Ginjeira passeava na sala de cenho carregado. Ia à janela, fixava os olhos no infinito. Voltava ao meio da sala. Ia até à porta. Soltava sopros. Voltava à janela. Mandava uma escarreta lá para fora. Voltava ao meio da sala. E, de repente, disparou:
    — Escreva-me aí a fórmula do ácido sulfúrico!
    O Pereira quase deu um pulo. Pegou na esponja. Tentou escrever com ela. Pôs a esponja no tabuleiro. Pegou no giz. Coçou a cabeça. E por fim conseguiu escrever com excessiva perfeição: H2SO4.
    Agora todos sabiam o que se ia seguir. Era uma espécie de ritual. O Ginjeira terminava sempre com a fórmula do ácido sulfúrico os seus ataques de fúria com os alunos que eram chamados ao quadro.
    Mandou o Pereira apagar o quadro e ir-se sentar. Olhou mais uma vez pela janela com olhar ausente. E foi-se sentar à secretária a remexer na caderneta.
    Desde a licenciatura sempre fora professor do ensino secundário. Leccionava Física e Química aos cursos industriais desde 65, havia quatro anos.
    Antes, e durante mais de quinze anos fora professor de Geografia.
    Foi por essa época que, estando um dia a bronzear-se na praia de Armação de Pêra, a dado momento se levantou, e, com ar imponente, informou os acompanhantes:
    — Vou dar um mergulho no Mediterrâneo!
    E lá se foi direito ao mar.


 

Sem comentários:

Enviar um comentário