— Não! Está tudo okapa. Quando se entra na escada acende, quando se sai apaga. A descer faz o mesmo. O que não entendo é que a luz fica mortiça. Já experimentei as lâmpadas todas uma por uma. Todas okapa. — é para aí a trecentésima quinquagésima sétima vez que o Fábio explica isto ao telemóvel. Sem sucesso.
O primo Chico, que mora um pouco mais acima, chega do trabalho, passa à porta, e lá está ele ao telemóvel.
— Boa tarde, Fábio!
E ele nem responde.
— Este ano não vamos à praia?
— Carla, não vês que tenho que resolver isto?
Ela amua. Já vai em dois dias. As férias são oito.
— Deixa isso, filho, que eu ainda vejo bem. Aqui no campo até as estrelas alumiam.
Queria iluminar a escada do terraço, para a avó não tropeçar nos degraus quando precisa de lá ir de noite.
No meu tempo, e a avó deixa-se voar em pensamento, íamos por esses campos em noites sem lua e viam-se as pedrinhas todas das veredas. Chegávamos a ir daqui aos bailes ao Mioto. À Alcaria íamos quase sempre. Aqui na aldeia ainda se chegou a fazer mastros pelos santos populares. Era uma alegria. Quando se voltava, altas horas, às vezes depois da uma, balhávamos pelo caminho ainda com a música na cabeça. Ao Mioto chegou a vir tocar o Ceguinho da Luz. O teu avô dizia que não podia ser. Sabia lá ele, ele não era de cá.
O primo Chico sai para o café, e lá está ele ao telemóvel.
— Até logo, Fábio!
E ele, nada.
— Tu? Tu nem carta tens! — tinha-lhe uma vez, há muitos anos, respondido com ar de gozo aquele engenheiro lingrinhas quando o Francisco lhe tentou explicar que as porcas das rodas do carro se desenroscam para a esquerda e não para a direita.
— Ok! Eu vou à boleia que deve passar ali na estrada um vizinho meu que trabalha na vila.
O engenheiro nem lhe respondeu. Um servente de pedreiros e ainda para mais imberbe a querer ensinar!
Bem dizia o meu tio Elias que nunca se deve ensinar a quem ganha mais que nós. Nunca mais se esqueceu da lição prática a confirmar a teoria do tio.
Estava farta de ficar no quarto. A velha não tinha conversa que lhe interessasse. E o pior é que queria que eles comessem com ela. Nem pensar.
— Carla, não gostas de arjamolho?
Só de pensar em meter a colher na mesma tigela que a velha lhe dá vómitos.
A minha mãe bem me diz:
— Mas o que é que tu vês no Fábio. Por ter o curso de engenharia quase pronto? Isso agora é o que há mais.
— Mami, mas eu gosto dele. Que me importa a família?
O primo Chico a sair para o trabalho, e lá está ele ao telemóvel.
Desta vez parece ser com um professor, pois ele desfaz-se em senhor engenheiro para cá, senhor engenheiro para lá.
— Bom dia, Fábio!
E ele, nada.
Se não conseguir resolver o problema hoje terá que desistir. Já não consegue contrariar a insistência da Carla para ir à praia, e mesmo a mãe, no seu telefonema diário, já o repreendeu:
— Trata-a mal, sim. Olha o exemplo do primo Chico. Vais querer acabar assim? Não haverá por aí alguém que te saiba ajudar. Olha, talvez o primo Chico. Ele ainda trabalhou com os electricistas.
— Essa deve ser para rir. Nem o meu professor Soares dá com o mal, dava o Chico.
— Amanhã sem falta temos que ir à praia. Se não formos não te perdoo.
Batem à janela. O primo Chico vem com os copos e grita lá para dentro:
— Em paralelo! Liga aquilo em paralelo!
E ouvem-no resmungar aos trambolhões pela vereda acima.
— O que é que ele disse?
— Coitado, está mesmo mal de todo. Só dizia paralelo. Deve ser uma alucinação. Amanhã vamos à praia. À tarde desmonto o kit que não dou conta daquilo.
* Ligação em paralelo e ligação em série são duas maneiras de ligar várias lâmpadas, e explicam a razão porque as do Fábio ficavam mortiças. Ele tinha-as ligado em série.
tudo o que aqui publico é de minha autoria e nada do que aqui lemos aconteceu; mas tudo poderia ter acontecido, nem que fosse nos sonhos dos personagens
paralelo
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