Apesar de se ter ido deitar já passava das três, a Amélia pôs o pé na areia da praia ainda não eram dez horas. Levantou-se antes das sete. Fritar os pastéis de bacalhau, aquecer a água para o banho, tomar banho, ir esperar a camioneta da carreira a mais de dez minutos de casa. Meia hora de camioneta, que parava em todas, sempre a apanhar gente.
O Lourenço ainda se levantou mais cedo. Não tinha pastéis de bacalhau para fritar, mas tinha uma bicicleta na oficina, que tinha prometido consertar para o dono ainda usar nesse domingo. Chegou à praia pouco passava das nove e meia.
Tinha começado como aprendiz com o mestre Manuel Estêvão, na casa das bicicletas, tinha ele doze anos. Quando voltou de Angola, da tropa, o mestre chamou-o lá e disse:
— Lourenço, como sabes, eu não tenho descendentes e esta casa é a minha vida. Ficaria muito triste se isto acabasse. E as minhas forças já não são muitas. Pensei que tu talvez estivesses interessado em ficar com ela. Já sabes que para ti faço um preço especial. — e piscava o olho.
Os namoros da Amélia só duravam o tempo suficiente para os namorados se darem conta de que ela não estava disposta a facilitar-lhes a vida.
Mais de uma zaragata começou por sua causa:
— Deixa-te de merdas. Eu namorei com ela e nunca consegui nada, conseguias tu.
— Isso és tu que não sabes levar uma mulher.
E assim começavam. Todos sabiam que não tinham conseguido nada, mas poucos eram capazes de o dizer. E morriam de ciúmes uns dos outros.
— Qualquer dia não tens pretendentes. Olha que daqui a pouco passas dos vinte. — avisava a tia Carolina — Olha para mim.
— Oh tia, mas contigo não foi ao contrário?
— Sim, tens razão. Mas olha que os tempos são outros. — e suspirava.
— São agora outros. Os homens não querem sempre o mesmo, tia?
O noivo da Carolina, depois de a usar bem usada, deixou-a à sua espera, foi para a Argentina e nunca mais deu sinal de vida. E ela, parva, à espera, à espera. Até que desistiu. Não só desistiu ela, como desistiram os pretendentes.
— A chocha é minha, sou eu que mando nela. — a Amélia ria, com o seu rir telintado e sincero que, juntamente com os grados e pestanudos olhos negros, não parava de partir corações. — É assim, tia. Só dou os três quando algum me conseguir convencer. — e aqui ficava séria.
Carolina passava-lhe a mão pelos cabelos negros.
Tinham dançado no baile da Alcaria até bem tarde. Também foi lá que a tinha conhecido alguns meses antes. O Lourenço foi lá ao baile por acaso, ainda eram bem uns quinze quilómetros. Os olhos grados tinham-no cativado à primeira vista.
— Menina dos olhos doces como o mosto.
— Com todo o gosto.
— Cabelo negro e riso contagiante.
— Cavalheiro gentil e elegante.
— Concedes-me o prazer desta dança?
— Por ti até faria do meu cabelo uma trança.
Assim poderia ter sido se fossem poetas. Não eram, mas não faz mal. O certo é que para o Lourenço o caminho nunca mais criou erva.
Se os da terra o aceitaram bem ou mal não se sabe, sabe-se é que ninguém se manifestou de frente.
Sopraram-lhe ao ouvido algum tempo mais tarde que ela tinha má fama. O Lourenço não era moço de emprenhar pelos ouvidos, mas contou à mãe.
— Nem acredito no que estou a ouvir, filho. Tu a falares-me dos teus namoricos? Nunca fizeste tal coisa!
O Lourenço ficou vermelho que nem um tomate:
— Não é um namorico, mãe. Esta moça... tenho a impressão que... que...
— Que? — e a mãe sorria enlevada.
— Que fomos feitos um para o outro.
E a mãe falou-lhe de tantas coisas, tantas coisas. Contou-lhe coisas com que ele nunca tinha sequer sonhado.
— Nunca dês ouvidos a línguas mal intencionadas. — terminava ela.
No fim do baile confirmaram:
— Então fica combinado, amanhã de manhã vamos à praia.
— Fica combinado!
Já passava das onze e o Lourenço sem aparecer. A Amélia não sabia o que fazer nem sequer o que pensar. Ia ao banho para que as outras pessoas não lhe notassem as lágrimas, e deu-se conta de que nunca tinha chorado por namorados.
Já passava das onze e a Amélia sem aparecer. O Lourenço não sabia o que fazer nem o que pensar. Sabia que uma grande tristeza o invadia.
Nunca a Amélia tinha desejado tanto ter uns óculos de sol como quando deixou a praia de Almadrava ainda antes de dar o meio-dia e apanhou a camioneta da carreira para casa. Também o Lourenço deixou a praia de Odemano mais ou menos à mesma hora, de coração despedaçado.
tudo o que aqui publico é de minha autoria e nada do que aqui lemos aconteceu; mas tudo poderia ter acontecido, nem que fosse nos sonhos dos personagens
desencontro
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