o natal, dia da família

     — Vá lá, Carlos, faz-me lá a redacção.
    — Sabes bem que isso não adianta nada. O que é que adianta a papinha feita?
    — Sim! Já ouvi esse discurso. — o arquear das sobrancelhas da Natália a olhá-lo de esguelha é que teve o condão de convencer o Carlos.
    — Tens que me entregá-la até quarta-feira, que é o último dia. — e Natália contempla o ar subitamente sério, talvez demasiado sério, mas que ela conhece e gosta.

    Tinham-se conhecido naquelas vezes em que ambos foram ao hospital visitar as respectivas avós, por coincidência vizinhas de cama. Melhor contado, já se conheciam de vista, mas nunca se tinham despertado interesse. Ambos de aspecto banal, sem nada que os fizesse ressaltar. Foi mesmo a tal seriedade do rosto dele quando falava com a avó, e o tal arquear de sobrancelhas dela que despertou o mútuo interesse. Nada que escapasse aos olhos das velhas, que lhes facilitaram o vencer da timidez.
    — Os meus pais estão na França, eu estou com a minha avó até acabar a escola. Agora fico com a minha tia Augusta. — conta ela.
    — Eu estou a acabar a escola, depois não sei. Se não fosse a tropa arranjava trabalho já para o ano. Mas ando cá com umas ideias. Não quero que me julgues cobarde, não é por isso, mas acho que me vou pirar...

    Na quarta-feira, no intervalo entre a aula de matemática e a de português, Natália recebeu a redacção. Era assim:

    “O Natal, Dia da Família
    
    O Natal é muito mais do que uma simples festa religiosa, é o dia da família. Neste dia as famílias costumam reunir-se. Muitas vezes resolvem-se problemas familiares neste dia que se não conseguem resolver noutras ocasiões.
    É pena que em Portugal muitas famílias não se possam reunir, nem sequer nesta altura. A guerra e a emigração não o permitem. Muitos portugueses têm que ir para a guerra ou têm que ir procurar sustento noutros países porque não o encontram cá. E isto faz que muitas famílias passem o Natal separadas. Pais separados dos filhos, filhos separados dos pais; maridos separados das mulheres, noivas separadas dos noivos. Esta é a parte triste desta quadra festiva que não podemos esquecer.”

    — Natália, foste tu que escreveste isto? — a dona Eulália, professora de português, mira-a por cima dos óculos.
    — Fui sim, stora. — Natália fica da cor dum pimento.
    A professora fita-a ainda por um momento, depois pega noutra redacção.

    A turma do curso de formação feminina andava atarefada na preparação dum jornal de parede sobre o Natal. As alunas que tinham mais jeito para o desenho estavam a preparar um grande quadro em papel de cenário, dividido em duas partes: uma pintada a guache, a outra com papel recortado, às cores. Os temas eram o menino Jesus nas palhinhas e os Três Reis Magos.
    Algumas foram encarregadas de compor textos e poemas, relacionados com o Natal, para o quadro, chamado “Jornal de Turma”. Coube à Natália elaborar um texto sobre o tema “O Natal e a Família”.

    Quando o Carlos foi ver as notas, procurou o quadro da turma da Natália entre os expostos na sala de entrada da escola. Lá estava, muito bem feito, desenhos, pinturas, caligrafias, mas faltava a redacção que ele tinha feito...



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