o serviço não se pode ressentir

     — E agora, chefe? — a pergunta é feita por todos os operacionais.
    A ordem do ministro é clara. Temos que obedecer. O Departamento de Controlo do Carbono (DCC) tem por missão inspeccionar todas as unidades agrícolas, industriais ou habitacionais, para verificar o balanço do carbono nas suas várias formas, centrando-se especialmente nas emissões de dióxido de carbono, de monóxido de carbono e de metano. Isto só para nos situarmos.
    De nada serviu os operacionais explicarem que o uso das cores nos esquemas que acompanham os relatórios das inspecções é uma constante e uma necessidade no departamento. A primeira medida do novo ministro da tutela é peremptória: fica proibido o uso de cores nas impressões em todos os organismos sob a sua tutela. A austeridade assim o obriga.
    Quando o anterior chefe da delegação regional do DCC se reformou, por limite de idade, apresentaram-se quatro candidatos. Dois licenciados em engenharia do ambiente, uma em engenharia química e outro em história. Ganhou o doutor Ferraz, licenciado em história, mas com um mestrado em literatura egípcia antiga e um doutoramento em métrica da poesia medieval polaca.
    Muitos pensaram que o doutor Ferraz não seria capaz de desempenhar as funções, mas este cedo se impôs. Existiam milhares de requerimentos para inspecção pendentes do pagamento da respectiva taxa, porque a lei não é clara acerca da necessidade de avisar os requerentes da necessidade do seu pagamento para que a inspecção seja efectuada. O doutor Ferraz envolveu meia delegação no envio de avisos. Começaram a chover pagamentos e os operacionais nunca mais ficaram quietos, como acontecia antes.
    A direcção central bem tentou impedir o doutor Ferraz de proceder ao envio dos avisos porque isso não estava previsto nos procedimentos, mas, perante o afluxo de dinheiro fresco e abundante proveniente dos pagamentos das inspecções pendentes durante anos, o secretário de estado interveio a favor do método do doutor Ferraz. E a própria direcção acabou por se convencer dos seus méritos, tendo proposto ao secretário de estado a atribuição de medalha de mérito ao doutor Ferraz. Para isso contribuiu em muito também o facto de o doutor Ferraz nunca vir com complicações. Ele era, sem margem para dúvidas, o representante da direcção central perante os funcionários da sua delegação e não o contrário, como tentavam ser outros chefes de outras regiões.
    Paradoxalmente a polémica medida do ministro sobre a impressão a cores acabou por se tornar em mais uma fonte de rendimentos. Porque com os esquemas a preto e branco as confusões eram mais que muitas obrigando a repetição das inspecções, o que obrigava os utentes a pagar nova taxa para a deslocação dos técnicos.
    O trabalho ia de vento em popa; a consequente arrecadação de fundos também. Chegou-se a uma altura que o utente recebia o relatório da aprovação escassas duas semanas depois do pagamento da taxa.
    Entretanto a região adjacente ficou quase sem operacionais, que se reformaram, e o doutor Ferraz ofereceu os préstimos da sua delegação para tomar conta de metade do trabalho da região adjacente.
    Também se reformou um dos operacionais da própria delegação e outro pediu transferência para outro organismo ao abrigo da lei da mobilidade.
    Os utentes já se tinham habituado ao andamento célere das inspecções e reclamavam cada vez mais das demoras que o aumento do volume de trabalho e a diminuição de pessoal acarretavam.
    Mas não acaba aqui o problema. Algumas alterações nas normas vieram tornar mais morosa cada inspecção. E o pior de tudo, as viaturas estavam todas com mais de vinte anos e começaram a ceder. Hoje uma, amanhã outra, com consertos cada vez mais dispendiosos. A austeridade do governo não abria mão de fundos para novas viaturas, nem por vezes para o pagamento de consertos mais caros, o que obrigava a que uma reparação de duas semanas levasse à imobilização do carro na oficina por largos meses à espera do respectivo pagamento.
    O carro mais antigo, o DD, como é conhecido entre o pessoal por serem estas as letras da matrícula, acabou de sofrer uma reparação de quase três mil euros. No mesmo mês avariaram todos os outros. Ficou só o DD a funcionar. Rodava entre as equipas enquanto não vinha autorização para mandar consertar algum dos outros.
    — Senhor director, já não é sem tempo. — o doutor Ferraz está ao telefone.
    — ...
    — Pensei que abatiam uma viatura e isso significava que era substituída, senhor director.
    — ...
    — Como? A viatura que vão abater é o DD?!!!
    — ...
    — Senhor director, eu sei que ele tem quatrocentos mil quilómetros, mas é o único que ainda anda.
    — ...
    — Sim, entendo, senhor director, as normas de segurança rodoviária e ambientais... mas é que assim ficamos sem viatura nenhuma... nenhuma...
    — ...
    — Desculpe, senhor director. Ordens são ordens. Com todo o respeito.
    — ...
    — Simsim, sesesenhor dididirector. O sessesserviviço não sessesse ppppopopode rereressentititir...


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