O chamarem-lhe Rosa era um estigma que o acompanhava desde a escola primária, lá no Alentejo. Nessa altura ainda andou à pancada com alguns que lhe parecia fazerem-no por caçoada. Depois acabou por se conformar que ninguém lhe iria nunca chamar Epaminondas. Conformou-se, mas, lá por dentro, nunca aceitou.
O Joaquim Rosa era feitor da casa Ramiro Guedes. Quando nasceu o filho, claro que convidou o doutor Ramiro para padrinho. Foi assim que este ganhou o nome de Epaminondas dos Mártires Rosa.
Mas não foi só o estigma do nome que marcou a sua infância e juventude. A verdade é que toda a gente o evitava e ele nunca entendeu porquê, ser filho do feitor não é fácil. Se entrava no café, para jogar bilhar, nenhum dos que desafiava lhe apetecia jogar naquele momento. Com o filho do senhor João da mercearia ainda teve uma vez uma altercação, porque este tinha acabado de dizer que não lhe apetecia jogar e passados menos de cinco minutos estava a jogar com o filho do farmacêutico.
— Epaminondazinho — só a mãe o tratava assim —, deixa mas é de fazer figura de pedinte. Não vês que eles pensam que são grandes. Deixa-os lá. Dá-lhes o desprezo. Vai pelas tabernas, aprende com eles a cantar.
Foi assim que, com muita relutância, começou a entrar nas tabernas. Pior a emenda que o soneto. Calavam-se as conversas quando ele se aproximava. As desculpas para não aceitar beber com ele eram das mais esfarrapadas que se possa imaginar.
Tornou-se solitário e amargo. Andava pelos campos, pescava, caçava. Ia aos bailes, e era rara a vez que não havia zaragata em que estivesse envolvido.
Assim que a idade o permitiu ofereceu-se como voluntário para a tropa. Foi comando em Angola. Quando regressou, andou algum tempo pela vila sem saber o que fazer. Foi para a GNR, lá no íntimo com o desejo de sair para onde ninguém o conhecesse.
Quando foi colocado no posto de Odemano depressa adquiriu a alcunha de “Endireita Cidades”, porque dizia por todo o lado que agora ia endireitar a cidade. Se nunca tinha tido amigos, não foi aqui que os arranjou. Tirando dois ou três colegas, não se dava com mais ninguém.
A Clarisse veio do Alentejo litoral com dezassete anos trabalhar para um café em Odemano porque por lá o trabalho não abundava, e para escola não havia posses.
Depressa o Joventino, o patrão, casado e com três filhos, mas mulherengo por natureza e vocação, se aproveitou do desamparo, e também de alguma liberalidade de princípios da Clarisse.
— Quero lá saber que tu não deixes a tua mulher. Até é melhor assim. Ela até é muito boa pessoa e gosta muito de mim, e eu não sou ciumenta. — e ria — Só há uma coisa de que tenho pena. Gostava de ter filhos. Mas descansa que sei muito bem que tu já tens três e não te vou complicar a vida.
E foi assim que, através de um dos colegas do Epaminondas, e amigo do Joventino, se fez a aproximação do cabo Rosa à Clarisse.
Casaram. Depressa tiveram um casalinho de rebentos lindos. A vida corria bem. Embora ele fosse muito possessivo, ela sabia dar-lhe a volta.
— Clarisse, não tenho nada que me faça desconfiar, mas se alguma vez me traísses eu era capaz de matar.
— Não sejas tontinho. Tu e os nossos filhos são tudo para mim, Epas. — era assim que Clarisse o tratava: Epas, e ele não desgostava.
O que é certo é que o cabo Rosa já não era o homem amargo, o guarda implacável, que tinha sido. Só alguns mais renitentes ainda o apelidavam pelas costas de “Endireita cidades”.
Uma noite de inverno vinham, o Joventino com a Clarisse, da serra, no carro, e, mesmo à saída da curva, sem hipóteses de desvio, viram o cruzamento onde se volta para a Almadrava, antes de chegar a Odemano, pejado de guardas republicanos.
— O meu marido deve estar ali. E ele não disse nada. — e a Clarisse começou a tremer.
— Vou acelerar e não paro…
— Não faças isso! Eles estão armados. Seja o que Deus quiser. — e a Clarisse abaixou-se no banco e começou a rezar.
O Joventino encostou como lhe mandaram.
— Boa noite! — o agente apontou a lanterna para dentro do carro e rapidamente a desviou da cara da Clarisse.
— Calma! Tiveste muita sorte, ele mesmo agora aqui estava, não há dois minutos. Foi fazer o serviço ali atrás daquela alfarrobeira. Vão-se embora e tenham mais cuidado. Porra.
tudo o que aqui publico é de minha autoria e nada do que aqui lemos aconteceu; mas tudo poderia ter acontecido, nem que fosse nos sonhos dos personagens
há coincidências
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
A sorte por vezes é muito grande. Reli é adorei
ResponderEliminarObrigado.
ResponderEliminar