a angústia da caixa de correio


Piii piii piii piii piii piii piii piii piii piii pii "Chegou à caixa de correio de 941 ... ..." 


Piii piii piii piii piii piii piii piii piii piii pii "Chegou à caixa de correio de 941 ... ..." 


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Piii piii piii piii piii piii piii piii piii piii pii "Chegou à caixa de correio de 941 ... ..." 





celestina


Moça airosa
culta, inteligente
e fina
o seu nome lembra o céu
é Celestina
uma autêntica donzela
não há rosto 
como o seu
os olhos, o cabelo
a postura
elegante, requintada 
e bela
é um gosto
vê-la
voz angelical
clara e harmoniosa.

Tudo nela 
faz antever felicidade 
futura
é verdade
não toca piano
nem fala francês
sinais 
dos tempos
nada de mal
orgulho dos pais.

Mudam os ventos
e chega a idade
dos calores
desejos de amores
o João
da oficina
arrasta-lhe a asa
recebe "não"
atrás de "não" 
as mãos sujas
o cheiro a gasolina
as unhas negras
não jogam a favor 
insiste o João 
resiste a Tina
mas a vida tem regras
que desconhecem a razão
é o amor.

Toda a família 
da Celestina 
e mais o povo
em alvoroço
só o mano 
mais novo
não diz que não
ao sujo moço
grandes desgostos
oposição!
vence o amor
por fim
e no altar
se dão o sim.

Passado um ano
foi-se a paixão 
perdeu a graça 
festeja a família 
aplaude o povo
ganhou juízo 
dizem alguns
ponto assente. 

Um novo amor
soam zunzuns
pior não será 
auguram todos
e na noite
de São João 
grande recepção 
na praça 
o casalinho lá está 
é este, meu pai
o meu grande amor
moiral das vacas
dum lavrador
Manuel da Luz Vicente 
por alcunha "O Lavajão".


lua nua

 
De azul me querem pintar
azul és tu, minha mãe
vejo-te assim
eu sou prateada
e nua
nuazinha
lua doirada
aos olhos de alguém.

Querem-me aumentar
fazer crescer!
a mim?!
só se for
com as pedras celestes
e os pós do espaço
que caindo vão
e a cada passo
me assustam
menos estes
que aquelas.

Tolos, é o que são!

O que eles não vêem 
porque se encandeiam
com as luzes da cidade
é o meu luar
que só avistam
das janelas
e de noite
dava pra verem
onde punham os pés.

Eu estou aqui
para ajudar
a regular
o que nasce, cresce 
e morre 
quando chega a idade.
Sem mim
que regulo as marés
e até os humores
que seria da vida
dos amores
que existem em ti?








humildade


     Foi tudo tão rápido que não me apercebi de mais que um pequeno som cavo de algo a bater na chapa do carro; logo de seguida, surgiu, primeiro a mão a tentar segurar-se para se levantar e depois uma cara exibindo surpresa, espanto, indignação: «O senhor não vê o que está a fazer?!»
     Instintivamente, recuei um pouco o carro.
     Ele inclinou-se para baixo como para apanhar qualquer coisa do chão e quando me voltou a encarar já não tinha o ar indignado de há pouco: «Não se enerve. Parece que não foi nada. Claro que o senhor não fez de propósito.» O ar do homem já era mais cordial.  
     «Veja lá se há algum problema.» 
     E ele: «Assim à primeira vista, só me está a doer um bocadinho o joelho. Mas isto passa.»
     «Veja lá, precisa de ir ao hospital? Eu tenho seguro.» Insisti eu.
     «Não se preocupe.» E o homem já sorria cordialmente. Um rapaz novo, talvez duns quarenta anos ou mesmo menos. Bem vestido. Mas apalpava o joelho. 
     Eu insistia com ele para ir ao hospital.
     Ele dizia que não era nada, mas notava-se que estava com dores. Tentava disfarçar uns esgares.
     Perante a minha insistência, atreveu-se a perguntar-me se o podia levar à casa da irmã, que morava perto. Que já não se estava a sentir em condições de conduzir, mas só por causa do joelho. «Isto foi um joelho que eu tive que operar, mas há muito tempo. Coisas da bola.»  E sorriu, um sorriso aberto.
     Voltei a insistir. «Veja lá se não é melhor participar ao seguro?»
     Que não, que isso só ia dar problemas. Às tantas ainda me punham a fazer psicotécnicos e mesmo a ele ainda acabavam por demorar a pagar alguma coisa que fosse necessária. Ele  tinha um bom seguro de saúde que cobria todas estas coisas. Que não me preocupasse. Agradecia-me era que o levasse, então, se não me importasse, até à casa da irmã.
     Lá me explicou onde morava a irmã. 
     «Eu não tenho cá mais ninguém, e nem vinha a planear passar pela casa dela. Não é por nada, eu e o meu cunhado não nos damos muito bem. Mas com a minha irmã dou-me às mil maravilhas. Eu só estou aqui de passagem, em serviço. Como vê, pelo meu sotaque, não sou de cá.» De facto, tinha sotaque do Norte, não sei precisar donde, e também não perguntei.
     Lá me convenceu a levá-lo à casa da irmã. Era perto, menos de um quilómetro. 
     A casa era num bairro novo, calmo, devia ser caro. Não sei se conheces, fica onde era antigamente uma fábrica de conservas, ainda lá tem uma chaminé. Pelo caminho fomos conversando. Perguntou-me o que eu fazia. Mostrou espanto quando lhe disse que estava reformado de vendedor de ferragens. Que me achava ainda na flor da idade, com muito bom aspecto. Que ele era delegado de informação médica. Sempre tínhamos muito em comum. E sorriu, como a explicar porque tinha o tal bom seguro de saúde, ele conhecia bem o meio. 
     Mostrou-se um bom conversador. Foi-me indicando o caminho, mas confiou em mim quando lhe disse que pelos dados sabia onde era. 
     Quando estávamos a chegar, tomou as rédeas da navegação. Mas não estava muito seguro. O que não me espantou.
     «Já me enganei, para ir para a casa dela não se passa aqui junto a este terminal de multibanco, a não ser que seja novo aqui.»
     Era, de facto, uma caixa nova, confirmei eu.
     «Ah, então é mesmo aí ao virar da esquina.»
     Sou capaz de jurar que vi o homem empalidecer, à medida que olhava para o telemóvel e o tentava ligar para gravar o meu número. Perguntei-lhe o que se passava e ele mostrou-me o vidro todo partido e ficou calado, sem acção. Levou um bom bocado para conseguir falar. «Deve ter sido quando fez marcha-atrás. E eu apanhei-o e guardei e nem reparei... e tenho aqui o meu trabalho todo, contactos, e-mails... também os tenho lá em casa...» Pareceu tentar tranquilizar-me. «Mas eu vivo em Aveiro! E nem tenho ninguém em casa, acabei de me divorciar.»
     Tentei outra vez convencê-lo a participarmos ao seguro.
     «Para quê?! Quando eles me viessem a pagar alguma coisa já eu não precisava.»
     O homem estava destroçado, só olhava para o telemóvel e abanava a cabeça.
     Vi-o tão sem acção que tive pena dele, muita pena. E o que posso eu fazer por si, perguntei-lhe.
     Olhou-me nos olhos com um olhar de profunda sinceridade: «Eu sei que o senhor não fez de propósito. Mas eu também não tive culpa. Custa-me muito o que lhe vou pedir, acredite que custa. Mas vou ter que lhe pedir a sua ajuda, que afinal não é mais que a assunção da sua responsabilidade.»
     Tive que concordar com o homem. Diga lá então.
     «Com o que vejo aqui isto não me vai custar menos de uns trezentos e setenta ou trezentos e oitenta euros a consertar. Isto é um iPhone. Consegue arranjar-me essa ajuda? Ficar-lhe-ei eternamente grato.»
     Dirigi-me à caixa multibanco e levantei duzentos euros. Nem sabia que se podia levantar mais. Mas ele explicou-me, entre queixas do joelho, que lhe doía cada vez mais, que em duas vezes conseguia levantar quatrocentos.
     Estendi-lhe os trezentos e oitenta euros, e ele disse-me: «Já agora, o que é que você adianta com esses vinte?»

     — E tu deste-lhos?
     — Dei, meu amigo. Estava cego. Ainda saí de lá com pena do homem. Só no dia seguinte é que comecei a somar dois mais dois. A primeira coisa que me veio à cabeça foi o ar guloso com que ele não conseguiu deixar de olhar para os vinte euros que iam ficar na minha mão. Depois foi ele nem sequer ter ficado com o meu número nem dado o dele. Depois foi ele não ter comunicado com a irmã a ver se ela estaria em casa. Depois foi ele fugir sempre à participação ao seguro.
     — Só isso, Henrique? Desde o início do teu relato que eu tinha reparado que só deste por uma leve pancada na chapa do carro. Então, atropelas o homem, e o carro nem estremece?!
     — Tens razão, António. E agora que falas, veio-me também à ideia que o pilar do parque logo a seguir ao meu carro, era o último. Não fazia sentido ele vir dali. 
     — E agora estás capaz de comê-lo, se o encontrares. Não estás?
     — Não, ao princípio, sim. Estava zangado com ele e ainda estava mais zangado comigo próprio. Como é que eu me tinha deixado assim embarretar?! Mas agora estou em paz. Isto foi há três meses. Ainda não tinha dito a ninguém, nem aos meus filhos. Mas agora, depois de falar contigo vou dizer. É verdade que se foi mais de metade do dinheiro do IRS. Mas eu fiquei a ganhar mais que ele.  
     — Mau! Agora é que me partiste todo. O gajo mama-te quatrocentos euros e tu é que ficaste a ganhar?! Essa agora! És capaz de me explicar isso?
     — Explico, mas acho que não vais entender. Ele ganhou quatrocentos euros; eu recuperei a minha humildade, que tinha perdido há muitos anos. E agora que estou aqui a falar contigo, já não me restam dúvidas. Se fosse ao contrário também eu conseguia ver tudo clarinho como a água.
     — Tu estás com febre, Henrique? Sempre te conheci como uma pessoa modesta. Inteligente e modesta. Até fiquei espantado como caíste nessa. E já te conheço há mais de trinta anos...
     — Modéstia é algo que os outros vêem. Humildade só o próprio sente. 




divórcio com final feliz

 
     O que mais me chocou foi a inesperada reacção dela. Por mais voltas que dê à cabeça não vejo motivo para semelhante crispação. É que ele só disse: «Porque é que isto não me espanta?» 
     — Mana, às vezes uma gota de água faz transbordar o copo. 
     Lá vem o meu irmão com lugares-comuns. Como se não houvesse motivo para o comentário dele. Íamos a sair para a praia, eram quase onze horas. O único café do bairro, para tomarmos o pequeno almoço, fechado. 

     Ela não entende que o nosso pai nunca perde uma oportunidade para depreciar os algarvios.
     — Ó mano, poupa-me. Eles parece que estão ricos. Parece que não precisam de trabalhar. Até parece que não precisam do nosso dinheiro.
     É isto que ela não entende, ouvindo-a falar, é tal e qual o pai. Para eles os algarvios deviam estar dispostos a tudo, como se existissem para nos servir. Eu também não sou algarvio, mas entendo bem como à mãe estas atitudes e comentários mordazes doem. 

     Nunca ouvi ela protestar por nada, fui apanhada de surpresa. Será por o pai ser professor de português e de vez em quando lhe chamar a atenção quando ela usa aquelas palavras incorrectas, como cangrejo, como griséus, como “békm”, ou lá o que é que ela diz às vezes. Pensando bem, ela fica muitas vezes calada, mas depois volta a dizer o mesmo, não aprende.
     — E porque é que havia de aprender, Isabel? E não é “békm”, é “bem como”, é só uma questão de sotaque e também usam a expressão de maneira especial. E olha que eu gosto muito da maneira como os avós falam. 
     Ele não consegue entender que o português é só um, como é que as pessoas se iam entender se cada um desatasse a usar os disparates que os antigos do campo e do mar diziam?  É isso que o pai diz. Mas ele está armado em menino da mamã. 
     Ainda o ano passado ia com o pai ali no Alvor e ouvimos um pescador a dizer para outro, com ar de poucos amigos: “Tibopi!” Perguntei ao pai se tinha entendido e ele ficou a olhar para mim e a abanar a cabeça: «Como queres que eu saiba, essas coisas só se perguntares à tua mãe ou aos teus avós, eu sou só professor de português.» 

     Se eu lhe dissesse que ela está armada em menina do papá ela não ia gostar. Mas está mesmo. Se ela se tivesse dado ao trabalho de explicar a entoação da frase até eu lhe teria dito que o que o homem disse é: «Vai-te embora, pilho!» E o que ele disse foi “Tibó pi” e prolongou este pi de tal maneira que toda a gente aqui entende. 
     E não aprende a dizer “em Alvor”. Não respeitam as maneiras de falar dos da terra. Um dia destes começo a dizer lá em casa “na Coimbra” e vamos vê-los a não gostarem.
     — Qualquer dia, Jorge Miguel, oiço-te a dar explicações de português ao pai. Devia ser para rir.
     Não há nada a fazer. Eu também não estava à espera daquela reacção da mãe. Mas tenho vindo a pensar muito no assunto e compreendo-a. Ela nunca se abriu comigo, mas compreendo. Ela estar farta já deve vir de longe, mas o facto de a Isabel estar a fazer os dezoito anos não deve ser alheio a esta tomada de decisão.

     Quem é que o meu irmão se acha para estar sempre a olhar-me como se eu fosse uma criança. Ele só tem mais cinco anos, três meses e dois dias que eu.
     — Pelo contrário, eu acho que já tens idade, Isabel Maria, para teres responsabilidade. Fazes para a semana dezoito anos, serás de maior idade. E deve ser por isso que a mãe ainda não lhe tinha saltado a tampa. Agora achou que era a altura certa. Vai deixar de ter filhos de menor idade.
     Não demora muito está a tornar-me as culpas.
     Não consigo entender como é que se estraga uma família por mesquinhices, orgulhos. 
     — Mana, aí é que te enganas. Não são mesquinhices. Mesquinhices são ninharias, coisas pequenas. Aqui são duas maneiras de encarar o mundo, e sobretudo do respeito entre as pessoas. O pai sempre se colocou no patamar da superioridade. Quando digo sempre, é desde que me lembro. Sempre desdenhou dos algarvios, não sei porque casou com ela. A mãe sempre engoliu em seco, e creio que desde há muito tempo o fez por nós. Pelos dois. Agora resolveu bater com a porta. Não sou eu que a vou condenar. E há outro pormenor que não estamos a ver, não digo que és tu que não estás a ver, digo que não estamos. O meu coração também ainda não aceita, mas eu e tu somos família, somos irmãos. Nós e os nossos pais somos família, mas eles os dois não são. Não são nada um ao outro.
     Esta agora! Acho que o meu irmão desta vez se excedeu. Como é que ele pode dizer que os nossos pais não são familiares entre si.

     Não queria ser tão duro com ela, ela é a minha mana. Se calhar nunca lhe soube fazer senti-lo, mas é. Tinha que lhe dizer isto, é o que penso e acredito que ela vai compreender, mas tarde ou mais cedo. 
     — Sempre a mesma coisa, tu é que tens a verdade e eu um dia irei compreender. Vai-te lixar, Jorge Miguel Marreiros Falcão. Nunca mais te falo.

     A vida é complicada, e eu até optei por ficar em Coimbra, é aqui que estou a iniciar a minha vida. Gostava de estar com a minha mãe neste período, calculo que para ela não é fácil. Recomeçar a vida no Algarve, donde saiu há tanto tempo, não deve ser fácil. E, tenho que reconhecer, sinto muito a falta também da minha maninha, que, vá-se lá entender, optou por ir com ela.
     — Sossega, maninho, já te compreendi. Não to disse na altura, estava muito zangada contigo, mas já te entendi.

febre do ouro

 
Nações 
em demanda
pelo ouro
nada mais conta
porque afinal
quem ganha é que manda.

Paixões 
incendiadas
não importa o trabalho 
não importa o suor 
tudo isso são nadas
queremos o ouro. 

Multidões 
por todo o mundo 
menos na Rússia 
que fica de fora
por ser do mal.

Medalhas 
muitas medalhas
bronze, prata
mas sobretudo ouro
ai de ti se falhas.

Adversário 
não há adversário
só inimigo
não há respeito 
tens que ganhar
de qualquer jeito.

O ouro
queremos o ouro
se não ganhas
não venhas com choro
mereces castigo. 

Zé Varela