a cana


Aquele tecto 
do teu quarto 
donde escutavas a chuva
e o vento na telha 
era eu
na casa velha. 

Aquele moinho
que assobiava na horta 
era eu
mesmo já morta.

Aquele canudo
com as aguidas
para armar
aos passarinhos
era eu
ó meu!

Aquela espingarda 
que atirava
caroços de azeitona 
era eu
ora toma!

Aquela vara com um pandulho
com que pescavas
as irós
era eu
e com orgulho.

Aquele cesto 
em que levavas 
o almoço 
era eu
ingrato moço!

Aquele brinquedo 
a que chamavas carreta
com uma roda de cortiça
era eu, chiça!

Aquela vara
com que armavas os griséus 
já não te lembras
era eu
brada aos céus!

Aqueles canudos
que punhas nos dedos 
ao ceifares
era eu
pra não te cortares.

Aquela roca
pra trazer os figos
lá das alturas
era eu
vidas duras.

Tomaram conta de ti
o plástico, o betão 
e a ingratidão 
e agora até me chamas feia 
a mim, que sempre te protegi
as terras
da cheia.

E já nem sabes quem sou 
sou a cana, 
meu sacana!



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