tudo o que aqui publico é de minha autoria e nada do que aqui lemos aconteceu; mas tudo poderia ter acontecido, nem que fosse nos sonhos dos personagens
a cana
dias grandes?
Dias de inverno
não dão para nada
inda mal amanhece
já é noite cerrada
depressa esfria
e puxa um copinho
e só apetece
ficar no quentinho
de cabeça vazia.
Dias de verão
são grandes
há quem diga
mas não têm serão
e com o calor
não se adormece
tudo é devagar
até o pensar
à tarde é a folga
vem o suor
e mais uma vez
tudo se adia.
Dias grandes?
já não há
como dantes.
órfãos de muitos
Quando já não há
a quem perguntar
panal ou tendal?
ou seria igual?
Aquela casa
onde nasci
e veio abaixo em Agosto
terá sido da rega?
tanta água
que da barragem vinha
e dava gosto
não a sabiam usar
regavam à bruta
era arrendada?
emprestada?
não consigo saber.
Aquela barraca da eira
onde morámos
grande luta
feita de restos
de tábuas velhas
quantos buracos tinha?
E aquela prima
que nem eram parentes
mas tu sabias
e pedias segredo
a minha vizinha
que também sabia
disso estou certo
mas nada dizia
e não era por medo
há coisas que nada
se ganha em saber
em vão te apodavam
de língua de trapo
eram tão injustos!
Também já não estás
a fazes-me falta
com tantas perguntas
que te fazia.
Órfãos
vamos ficando
órfãos de pais
órfãos de tios
órfãos de primos
órfãos de muitos.
Quando já não há
a quem perguntar.
os cheiros dos livros
Olores inebriantes
papel novo
tinta fresca
quais palavras, quais sentenças
leitura, pra ser leitura
nem que seja de cordel
só pode ser em papel.
Odores de livros velhos
também não ficam atrás
lenhina em degradação
aromas dos livros de antes
quando dava gosto tê-los
nas estantes
qual melhor sensação?
diz-me se fores capaz.
Agora é o telelé
que anda nas mãos do povo
é objecto que não presta
não tem cheiro nem chorume
mas o progresso não pára
o livro
é preciso imitá-lo
e ainda não perdi a fé
de que inventem umas capas
que cheirem a livro novo
ou a velho
à vontade do freguês
e ler será um regalo.