Não procures o amor
se o queres encontrar
tu não és um pescador
que lança o isco prò mar.
Se é cação o que ele quer
lança o isco prò cação
porque ele sabe o que quer
esta espécie, aquela não.
No amor é diferente
acredita no que digo
quando o amor te quiser
ele virá ter contigo.
Boga, sardinha, faneca?
não se sabe o que virá
nem de longe nem de perto
há que ter o olho aberto
para ver o que vem lá
e aparece de repente.
tudo o que aqui publico é de minha autoria e nada do que aqui lemos aconteceu; mas tudo poderia ter acontecido, nem que fosse nos sonhos dos personagens
não procures o amor
ai, silves
Ai, Silves
sobre ti
que há a dizer?
tudo e nada
nada
porque não faz falta
porque a ti basta ser
tudo
porque foi aqui
que por primeira
sim, malta
por vez primeira
vi a Deusa da Feira
e ela me viu a mim.
Mais acima?
de Silves
no cheiro da esteva
do resmono e da urze
tempo duro
viveu o meu pai
na vida da serra
como ele dizia
carregando paus
pra atar a cortiça
sem um ai
de casa saía
do burro à rabiça
ainda no escuro.
A cortiça?
em Silves
que tanto deu
e que tanto tirou
eram milhares
pelos caminhos
de madrugada
estrelas no céu
já noite fechada
calcando o chão
puxando o chapéu
pra ganhar o pão
que o diabo amassou.
Os laranjais?
as estevas até
eu sei
o castelo também
das mouras as lendas
do rio a maré
no seu vai e vem
os mergulhos na levada
e até na ilha
ai, Silves
não sei o que és
serás mãe
ou serás filha?
A ribeira?
sempre a ribeira
à sua margem
nasci
lá pròs lados da barragem
não é o rio
desse já falei
nela pesquei
nela nadei
junto a ela trabalhei
e ganhei brio
e de homem ganhei ares
mas mesmo sendo
a minha ribeira
nem chegas aos calcanhares
ai, Silves
da Deusa da Feira.
a deusa da feira
No meio da multidão
nunca te aconteceu?
no meio da barulheira
da feira
ouvir-se uma flauta lá longe
diferente de tal maneira
que se tem que lá ir
ouvir
quer se queira, quer não queira.
De mulheres há milhões
e isto só em Portugal
mas, e contra a crença dos machões
nenhuma delas é igual.
Foi na feira medieval
entrei no pátio e lá estava ela
com na cabeça uma argola
que pra mim era auréola
não sei o que vendia
não era quinquilharia
de certeza
com seu bom-gosto de deusa
podia ter olhado?
podia
mas o meu olhar não descia.
Sorri-lhe, sorriu-me
ficámos horas
olhos nos olhos
quem visse diria:
— Que despudor!
as ondas hertzianas levavam
e traziam
terças maiores, quintas, sétimas
e até terças menores
numa perfeita sinfonia
em tom de sol maior.
Talvez não fossem horas
se calhar breves segundos
deu pra vislumbrar o que havia
atrás das suas pupilas
pássaros, jardins, violinos...
promessas de belos mundos.
Depois a vida
as vidas
nos levaram para longe
a cumprir nossos destinos
talvez não fosse o momento
como os figos nas figueiras
que não se devem colher
antes que estejam no tempo.
É paixão
de segunda adolescência?
não
paixão é fogo de palha
paixão é urgência
isto é a própria paciência
é calma, é assento.
É deslumbramento?
nem pensar
deslumbramento embota o olhar
e isto faz-me ver melhor.
É amor?
não sei, não tenho padrão
para aferir
uma coisa te prometo
vou descobrir!
com espinhos ou sem espinhos
e o meu silêncio também
cala-se o meu lamento
desalento
De caminhos nem sinal
nem aroma de azinheiras
só o vento no pinhal
e o baque das goteiras
Comprida noite esta
sem sequer uma festa
nem que pique como espinhos
só a queda das pinhas
me interrompe o pensamento
desalento
Mas já não tarda o dia
e já a chuva foi embora
ai, que nunca mais via
aquela débil aurora
Já os melros cantam
na sua esgravatança
já os vivos se levantam
já renasce a labutança
esperança
Com espinhos
ou sem espinhos
é bem vinda a madrugada
vem comigo minha amada
não tarda o sol a brilhar!
Nota: escrito em resposta a "Voy soñado caminos" de Antonio Machado