que vais dizer aos teus netos?


Não falo para os que estão 
do outro lado 
da civilização
dizem-me para ter tacto
mas com quem
não há ponto 
de contacto
não está ao meu alcance.

Falo contigo
que te consideras amigo
da humanidade
e já perdeste a dignidade 
a solidariedade
e até a caridade
já só olhas de relance
e assobias para o lado.

Que vais dizer aos teus netos?
que não viste?
que não ouviste?
que não sabias de nada?


a aura

 
Antigamente era melhor
a linhagem as trazia
e de berço se aprendia
o seu uso, o seu cuidado.

Depois veio a populaça
sem respeito pela raça
e já qualquer professor
mesmo que seja filho
de gente sem pedigree
pode adquirir uma aura
não de ouro, não de prata
(isso é que era bom!)
lá se ia o ordenado.

Uma de arame lhe basta
à altura da baixa casta
e nem a sabe cuidar
para não perder o brilho.

Devem limpar-se a diário
com Solarine do antigo
digo eu que sou amigo
e nem sou nenhum otário.

E mais ainda te digo
de todo o meu coração
digo e insisto
que oiças o ministro
nas suas palavras breves
e nunca a leves
à manifestação
que a bandalheira se instaura
e lá se vai a aura
da tua profissão.







o vento


O vento sopra
a chama
do candeeiro.

O vento de Janeiro
assobia
nas frestas
da velha porta.

O vento vai ter comigo
à cama
um frio que corta
de manhã cedo.

O vento tenta
voltar as telhas
das casas velhas.

O vento sacode a rama
derruba a fruta
o vento é filha-da-puta!

O vento brame
e ronca também
o vento uiva 
o vento urra
o vento mete medo
o vento faz tremer.

Porém
sem vento 
pra mover a nuvem
ou não chovia
ou não parava de chover.

mudança

 
Nem sempre é muito certo 
aquilo que o povo diz
mas às vezes anda perto
mesmo sem ir à raiz.

É para desconfiar
é saber universal 
que muito tenha que mudar
pra tudo ficar igual.

Nestes tempos turbulentos
todos falam em mudança
mas temos que estar atentos
pra não alinhar na dança.

O pobre vive enganado
ao alimentar esperança
que puxem para o seu lado
os que têm cheia a pança.